Um final diferente


A gelada noite chegara há tempos, o frio permanecia desde a manhã. Os carros passavam apressados pelas ruas num vai-e-vem incansável. O vento uivava e levava consigo as folhas caídas. Cachorros de rua passavam fuçando cada lixeira e cada amontoado de lixo da metrópole. Não, não era um local seguro para se estar, não à aquela hora. Lia desde cedo um clássico romance de velhas páginas e capa desgastada. Era um livro triste ao que me parecia, a moça chorava sem fazer som. A ponta do fino nariz estava tingida de vermelho, em um rosto tão alvo. Os olhos transbordavam incansavelmente. Estava em um banco, iluminado por um dos únicos postes que funcionavam, a luz a tingia de amarelo. Já estava tarde, eu me perguntava até quando a moça ficaria ali, era realmente perigoso para gente como ela. Gente que não vivia naquelas calçadas, como eu, ou como tantos outros. Por que ela estava ali se provavelmente teria uma casa quente e uma poltrona confortável a sua espera? Vai ver eu não entenderia os motivos dela. Eu deveria alertá-la? Ela teria medo de mim, ou talvez fosse maldade atrapalhar aquele momento tão íntimo.
Ela levantara. Oh sim, já era hora! O relógio no alto da torre marcava pouco mais das dez horas. Saiu languidamente, aparentemente em direção ao metrô, mas ela ia se distanciando a tal ponto que meus olhos cansados já não me permitiam vê-la. Curiosamente, ela deixara o velho livro em cima do banco. Fui em direção ao banco que me acomodaria durante a noite e peguei o livro. Obviamente, minha estupidez não me permitiu decifrar o que tantas letras miúdas diziam. Observei as tantas páginas por um tempo e por fim usei o livro para acomodar minha cabeça.
Na manhã seguinte perguntei a uma garotinha que fotografava a velha praça sobre do que se tratava o livro. Ela parou por um instante, hesitando em falar comigo, imagino. Por fim me respondeu, lendo a contra-capa, que era uma história de amor, que por sinal ela já havia lido. Tagarelou por minutos me explicando a triste história, em que no fim a garota ficava sozinha. Achei estranho, geralmente se fala em final feliz, mas deixei que ela concluísse. Olhando o livro, ela me disse que rasgaram a última página, e bem no cantinho, com letras bem caprichadas, estava escrito: "Eu quero um final diferente."
Agradeci à mocinha, que se despediu e foi embora. Carreguei o livro comigo por um tempo, e em um ensolarado dia de primavera, presenteei uma moça bonita, já de idade, que passava apressada por ali. Não a vi depois, nem o livro.
Muito tempo se passou, e um dia vi a garota chorosa passando por ali, que olhou para o banco somente por um momento e seguiu em frente.

Válvula de Escape


Eu quero sentir. A chuva escorrendo pelo meu rosto e pingando da ponta do meu nariz, o vento bagunçando e chicoteando o meu cabelo no meu rosto, o chão sob meus pés, o sol se impondo lá do alto, dando brilho a tudo, reluzindo em minha pele. Eu quero sentir. O meu coração acelerado, as palavras presas na garganta, a respiração ofegante. Eu quero sentir. O rosto se tornando rubro, o sorriso se formando, a lágrima brotar. Eu quero, eu preciso sentir. A sua pulsação, a sua mão segurando a minha, os seus olhos nos meus. Eu quero ser, eu quero sentir, eu quero viver, quero vir, quero ver.