Felicidade. O que é a felicidade? É palpável, é comprável, é vendível, negociável? Me disseram que não, e mesmo que fosse, na minha bolsa só há uma grande camada de papéis de bala, notas fiscais amassadas, um colírio, um livro e o meu RG. (Juro que acabei de me certificar dos meus bens, e essa é a realidade). Eu não sei bem quando ela vem, me pega de surpresa às vezes, e geralmente vai embora tão bruscamente, repentinamente, assim como veio. Mas nos dias em que essa moça felicidade me acompanha, ah, como são belos. Eu percebo as cores, os rostos, as palavras. Eu acho graça nas palavras, sim, elas podem ser engraçadas. São dias talvez como todos os outros, as mesmas pessoas, os mesmos lugares, a minha rotina costumeira. Vista com outros olhos, ah, eu trocaria todos os meus belos papéis de bala para ter esses olhos sempre. Quando eles são arrancados de mim, as cores vão embora, os rostos se distorcem, as palavras são montes de sons (quando faladas), e símbolos (quando escritas). Ou talvez, eu esteja usando meu jeito 'humano em demasiado' para jogar a culpa em um alguém cujo eu nem tenho certeza de que existe. Talvez o meu 'arrancador de lentes' (eu ia colocar olhos, o termo que eu estava até então utilizando, mas observe que ia ficar macabro) seja eu. Porque simplesmente não aguento olhar para coisas mais complexas com a mesma intensidade que elas me proporcionam.

Um olho aberto.
Um outro ainda no sonho.
Seria melhor um sonho completo, eu acho, mas realmente não tenho controle sobre isso.
A Menina Que Roubava Livros

Continente

O vento frio e cortante da noite entra, sem ser convidado, pela janela escancarada, esvoaçando as cortinas. O silêncio, interrompido em intervalos ritmados por seus soluços, embriagados de mornas e incessantes lágrimas que tentam, numa tentativa frustrada, lavar sua alma, sua fria e solitária alma. As incontáveis preces para que tudo se normalize, que ela ache seu nicho, onde será capaz de enxergar um motivo para querer sair daquele clima melancólico que a envolve, a puxando cada vez mais para baixo, para baixo. Como uma droga, cuja ela já é dependente a tanto tempo, que já não sabe como viver sem, como seria sua vida depois, se é que haveria um depois, pois parecia infindo como um imenso oceano de águas negras que ela teria de atravessar sozinha, e que porém, faltava-lhe a coragem. Ela se sentia como uma criança, que corre até a beirada do mar, testando sua coragem de entrar, e que acaba sempre voltando para a segurança da areia. Mas ela observa que o desconhecido pode também ser interessante, a adrenalina vai aos poucos sendo lançada em sua corrente sanguínea, e ela entra, começando assim a procura pelo continente aonde um dia ela irá se firmar.


Você perdeu-se na sua dor
Você sonhou com o final
Para começar tudo de novo.