A Menina Que Roubava Caixinhas De Leite



Eu, o sofá, uma almofada e a caixa de leite.

É curioso que depois de tantos anos eu não tenha esquecido algo tão bobo.
Eu deveria ter por volta de três ou quatro anos de idade, um projeto de ser humano. Naquele dia não havia muita gente em casa, alguém cozinhava. Fui até a cozinha, o apartamento era minúsculo, a cozinha era um corredor, não cabia muita gente lá, eu geralmente não era bem vinda na cozinha, mas quem quer que estivesse cozinhando, não se importou com a minha presença. Abri a geladeira e lá estava: uma bela caixinha de leite, aquelas longa vida, com leites processados à uma ultra alta temperatura; eu sei disso agora, naquele dia qualquer da década de 90, ela resumia-se somente à uma caixinha de leite comum, com a pontinha cortada; Então, olhei novamente para quem cozinhava, e ela parecia estar indiferente ao fato de eu estar na cozinha fazendo o que quer que seja, e então arrisquei a pegar a caixinha de leite. Eu não liguei se ela iria me mandar devolver, eu peguei. Deitei numa almofada sobre o sofá, cruzei minhas até então pequenas pernas e bebi o leite, sem copo mesmo, direto na caixinha. Ai de quem reclamasse. O leite de caixinha nunca estivera tão gostoso como naquele dia. O mundo girava em torno daquela estranha cena, o tempo sequer ousou passar, ninguém incomodou. Levantei-me languidamente, coloquei a caixa vazia em cima da pia, e saí com um estranho ar de triunfo da cozinha. O mundo nunca mais parou para que eu bebesse uma caixinha de leite só minha, aliás, ele nunca mais parou para que eu fizesse coisa alguma.

1 comentários:

Paulo Monte disse...

que bela crônica ein, xulinha :)

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